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posts aleatórios sem tópicos específicos ou muita mirabolanticidade. papos sem fundo. bem-vindos! (comentem!)

domingo, maio 18, 2008

fragmento do fim do mundo

É noite e venta à beira de um lago. De todos as suas margens vê-se a silhueta em pontos iluminados de uma cidade brotando rasteira do chão. Lua cheia, centro do céu, a fraca luz do céu nublado... e mais fraco ainda, um halo estático propagado a um raio de aproximados trinta metros do centro da lua: a auréola! do senhor guia das emoções humanas e das marés, suspensa bem acima da terra como se isolasse o espaço do desenrolar de uma história-de-momento, em um divino silêncio absoluto.
Em densos contornos, mais pesados que a escuridão na ausência da luz do poste, vê-se a figura de uma pessoa; e dela o calor irradia, e já só esse tanto de calor lhe parece bastar no cenário quieto. Criatura indefinida, ereta. Não se distingue seu cabelo preso num coque, e a sacola de pano no ombro se mescla ao pano da roupa, e nisto, a pessoa se torna parte da paisagem como um borrão no quadro de um artista perturbado. A criatura aguarda, mas parece aguardar em vão. Nada animado se move, não há vaga-lumes, as garças já há muito se recolheram e a cidade leva a vida madrugada de mais um cotidiano dia cansativo.
Subitamente ao longe, faz-se visível uma balsa branca e lenta. É a balsa do fim do mundo. Há nela pessoas rindo e bebendo; murmurinho de gente viva. A criatura à margem do lago então se move - leva a mão ao coque e solta o cabelo que derrama pelas costas para logo em seguida ser apanhado pelo vento e esvoaçar furtivamente. A balsa, cada vez mais próxima, penetra a bolha de luz lunar e o motor arranhado pára. O murmurinho cessa aos poucos. O condutor da barca ilumina a água com uma lanterna potente, procurando o cais que não se faz visível em momento algum. Mas de repente, como se nascida das trevas, surge a maciça estrututra de um cais de madeira que, a cada nova iluminada da lanterna mais comprido parece se mostrar. Nele um homem já aguarda. A balsa se aproxima e ele atira as cordas para prendê-la. Na balsa o movimento recomeça.
A pessoa à espera, dá um pequeno passo desajeitado em direção à água e desiste. Hesita em movimentar-se, mas parece não resistir a uma força maior que a atrai à balsa. Espera que alguém desembarque, que a chame ou reconheça, mas ninguém vem. E quando nem a lua mais parece aguentar esperar pelo inevitável, a pessoa, a passos largos desata a andar, alcança o cais, e a cada novo passo seu, pedaços do cais se soltam no movimento da água. As cordas já desatadas são puxadas de volta para o cais e o motor insuportável da balsa volta a trabalhar. Cabelo, muito cabelo, muito pano e medo, ela tropeça e num susto desata a correr para não perdê-la. A lua grita ao longe, mas sufoca no barulho. Seu escudo de silêncio estremece visualmente e assim que a balsa sai do isolado lugar sob efeito, a luz toda se volta contra a própria lua que estoura como um balão frágil; o vento morre e a cidade adormecida apaga, deixando assim a noite e todos que nela ficaram à porta do fim do mundo.