um esboço de um post sobre mim, as estradas das cidades de contos-de-fada, a água e o gelo da Suécia que conheci.
O avião chegou a decolar. Eu tricotava, ela pescava. Parecia que tudo dos últimos dois dias antes desse decolar tinham sido desnecessários. Todo o faz-de-conta, o fugir dos afazeres acadêmicos que abandonados assim viriam talvez a pesar quando voltássemos... era só uma possibilidade, e felizmente o que aconteceu de verdade é que nada passou a pesar mais nem menos depois que se deu um pulo no céu e voltou. Funcionou bem como eu queria que funcionasse; era pra ser mesmo o leve escapar desse peso que está sempre aqui. Em época de prova... só com a sorte ao lado pra ter agora o peso extra em Alegrias.
Estocolmo me encantou. Encanato indefinido por não saber bem quando nem o quê me tomou, especificamente. A gente, bastante hospitaleira e disponível. Em geral, altos, imponentes e bonitos, de feições mais "rudemente" talhadas, uns vickings quase como os que eu sempre imaginei só que sem os berros com garrafas de mead na mão e os capacetes com chifres.. Claramente patriotas, gostam de mencionar fatos da sua história nas conversas corriqueiras com nota de orgulho. Ah sim. Notável orgulho no jeito de ser também (não que deixe de dispertar encanto!)...
O aeroporto que Skavsta não é grande. Depois de aterrisados andamos da aeronave até o prédio ao ar livre. Fazia bem menos frio do que eu esperava (depois de tudo que a tevê anunciou ter sido na semana anterior!), e mesclado aos meus pensamentos o cheiro de gasolina com o cheiro do gelo, e em volta tudo escuro. Não via nada, mas a primeira impressão das pessoas do lugar me vieram na figura do abastecedor de combustível. O primeiro sueco que vi e o silêncio da natureza em volta já me tocavam.
Nosso primeiro ponto positivo foi a carona que conseguimos do aeroporto até a cidade de Estocolmo. Economizamos dinheiro valioso nessa terra carérrima sem nem pedir, e foi ela primeiro, uma jovem mãe polonesa com sua filinha quem nos ofereceu carona. A viagem de mais de uma hora voou. Ela e o marido eram os dois muito simpáticos, flexíveis e conversativos. Contaram da sua vida quando ainda na Polônia, e como ela é já há vários anos na terra fria, e perguntavam da gente. Pequena Olivia assistia o dvd e ria da própria despreocupação enquanto a gente tomava uma injeção de primeiros-fatos-a-se-saber-antes-de-visitar-estocolmo tentando ignorar as partes desfavoráveis pra não cair num stress bobo bem na hora do Agora vá com tudo. Em geral, adorei ter conhecido gente polonesa de lá. Dão uma visão de vida como eu daria se conhecesse um brasileiro de passagem na Polônia e talvez nem tanto turístico, mas mais pro lado de como entender as pessoas locais. Claro que ficaram preocupados com a gente tar indo às cegas morar na casa de um cara que a gente nem conhece, lindas e quebradas estudantes felizes, e ofereceram-nos sua casa e ajuda, caso a gente precisasse.
Eu ria tanto no fundo do meu coração, tão feliz e nervosa que eu estava com tudo que provava possível acontecer e adicionar à nossa viagem de três dias as emoções que eu precisaria pra passar pelomenos três meses no mundo dos sonhos.. E então, chegamos à nossa casa, e ele esperava à porta, acenando, vestindo camisa preta, todo branquelo de cabeça raspada, loira..
Nosso anfitrião Hampus. *sorriso
Hampus tem voz grossa. Hampus fala inglês com um sotaque britânico impecável. Hampus é baixinho, mas não sei porquê minha primeira visão ao vê-lo foi de um cara alto. O apartamento de um quarto, a parede cinza, os computadores. Quem seria esse mini-vicking que oferecia-nos seu sofá!
A Z. sem entender nada do que era dito em inglês deixou pra mim o social. O amigo Oscar também papeava, e parecia que a gente tinha combinado uma festinha de conhecidos em casa com bebida, cigarros e muita música. Foi legal. Hampus joga "larp", que eu nem sabia poder ser um hobby tão sério: ele mesmo costura as réplicas das roupas antigas e faz cintos e espadas e capacetes pras batalhas e banquetes a se encenar. Ele mesmo constrói suas estórias; seu mundo é literalmente levado à vida. Que carinha lindo.
Já nos primeiros momentos da viagem, ficou meio confuso na minha cabeça qual era o objetivo de ter viajado pra lá. Enquanto eu conversava animadamente com meu host e esquecia da cidade e do turismo, senti que eu facilmente cederia a tentação de ser uma moradora temporária daquele apartamento com coração e alma. Essa minha mania de não ter objetivos concretos, essa coisa de eu nunca saber levar as consequências como sendo uma opção que escolhi, uma decisão que tomei e não simplesmente uma sorte de fatos que acontecem independente de mim. Hah, eu sou uma encantada eterna. Uma boba. E se eu nunca saísse desse apê, ficasse aqui com eles, e aproveitasse as festas, a comida, o papo! Essa seria minha Estocolmo! hahaha!
Na nossa primeira noite vagamos pelas estradas vazias e calmas da cidade velha como dois personagens errantes procurando o local do desenrolar do seu conto-de-fadas. Frio gostoso, que ativa as partes adormecidas da mente. Ar como o de montanha, ar limpo, ar que refresca. Essas coisas. Foi o tempo que aproveitei pra processar o que tinha acontecido até ali, e pra tentar imaginar o que viria a seguir.
As janelas que são construídas de forma que parecem uma extensão da parede do prédio, as cores barrentas e bonitas, as ruelas expondo vitrines de papelarias com materiais reclicláveis, halces, vickingzinhos, gnomos dinamarqueses, as aventuras de TinTin, muffins e pubs escuros lotados de gente elegante. A água por toda parte, as ilhas que são a cidade. Eu e Z. líamos em grosseiras tentativas suecas os anúncios das lojas em voz alta, e explodindo em risos por saber que fazíamos péssimo exemplo de informação linguística, andávamos sem nos perder e encontramos pontos importantes da cidade por acaso. Um acaso foi a ruela mais estreita da Suécia.
Nessa noite, terminamos indo num bar. Z. abriu a porta do lugar esperando que nos barrassem pra pedir a identidade e disse por cima do ombro "é um bar de karaokê" (haieuahe o que não era, mas a mulher cantava meio mal). Em primeiro lugar, preciso frisar que Estocolmo é muito cara. Eu achava que era exagero de todo o mundo que sempre dizia isso como se fosse importante saber. A moeda é a coroa sueca, e ela é 0.4 do zloty polonês, mas espantosamente, mesmo assim a gente pagava pelo menos o triplo do que paga na Polônia por qualquer coisa, fora os eletrônicos e os perfumes.. Comprei uma cerveja, a mais barata, por 58 coroas (ainda deixei o troco pro lindo barman que me atendeu, sem ter muita certeza qual era o esquema deles com essa questão) (pedi em sueco "tvö Falcon" pra ouvir do bar "hundred sixty corons please" rs), e uma dose de vodka absolut por 68! Tentamos muito não parecer duas bankrupted students se destacando do resto da gente lá, que mesmo num pub, arrumada, mas tava difícil.
Aí chegaram dois caras e nos convidaram pra sentar com eles à mesa. Eram Kristian e Gustav, e logo depois Frederico o franco-genovês e um outro fulano dinamarquês juntaram-se a nós bebendo e papaeando. No mais, foi frustrante a Z não poder se comunicar em inglês e vendo ela ficar irritada me irritou também. Eles eram muito legais, mas eu não conseguia entender quem eles eram. Se estavam sendo sarcásticos ou não, e agora que penso, a gente conheceu bastante gente que era difícil de entender nas intenções das palavras. Ficamos horas com eles lá, curtindo. Era já tarde, e eles começavam a oferecer planos caseiros como alternativa, sem compromisso (rs). Aí quando decidimos levantar e ir, Gustav pediu meu número de telefone e disse logo que estava ligando pra eu poder anotar também.
E foi aí que eu notei a ausência do meu celular E da minha novíssima câmera digital.......! De repente me voltaram à memória todas as frases que me foram ditas quanto a Estocolmo ser a cidade mais segura da Europa ou sei lá, e como aqui realmente se preza a vida pacífica e etc.. Então tudo que digo agora, é, não sei o que aconteceu que minhas coisas saíram da minha presença pra rua, mas terminou que uma menina atendeu o meu telefone quando liguei do telefone do Kris e disse ter encontrado o celular E a câmera na rua, não longe dali. E pior, ela não estava nesse bar e mostrou interesse por mim e por quem eu era, e fico pensando como foi que esse quase total roubo me aconteceu na cidade mais segura.. o que por outro lado provou verdade ao outro fato, de as pessoas realmente devolverem as coisas que não são delas. Cheguei a pensar se um sueco frustrado não tentou um roubo e se arrependeu, e eu fui a sortuda a vivenciar esse acontecimento inédito... hehehe.
Voltando pra casa, nossa primeira noite não foi nada descansada. A gente já sabia que não éramos as únicas a tar vindo morar lá com ele, e Carlos e Lidi (xis) vindos da França estavam fazendo a primeira social quando chegamos as duas cansadas querendo dormir. Aí era tanta fumaça naquele apê que eu achei que fosse morrer. Depois que deu 5 da manhã e nenhum deles fora o Oscar pareceu ceder à falta de sono, eu e Z desistimos de achar que chegaríamos a sequer ter uma hora de sono.
No fim, todo mundo dormiu. Eu e Z dividimos um sofá e eu pregada contra o encosto do sofá acordei uma hora depois achando que ia vomitar de tanto desconforto e calor. Morreeeeendo de cansaço, passando mal e com calor, deitei no chão da cozinha e adormeci. Acordei novamente uma hora depois, congelando e sem saber o que fazer comigo mesma, sentei na poltrona e fiquei a observar todo mundo se amontoando, de alguma forma mais confortavelmente que eu estive até então. No fim, adormeci em cima de uma almofadona de sofá que estava no chão e dormi descoberta, aí quando pela manhã acordei, dei com uma herpes machucando meu lábio. Típico.
Na manhã desse nosso segundo dia em Estocolmo, juntou-se ainda ao nosso grupo agora de 6, um brasileiro vindo de Berlim, Mateus. Foi engraçado conhecer um brasileiro assim, e ele era muito boa gente. A Z adorou, e tentou seu português sem grandes resultados. E assim o dia que começou tarde, foi um dia de tour pela cidade acompanhados do nosso vicking particular e parecíamos uma escursão muito doida de estudantes vindo esfriar os miolos num tempo de passagens baratas (que é o que nos levou todos àquele momento, à esses dias, juntos). Conhecemos aí muito da cidade nova, e o palácio do Rei, o Parlamento e o Burger King da estação central.
Enquanto no apartamento Hampus preparava a casa pra receber uma festa pra qual estavam convidadas sessenta pessoas, nosso grupo se decidia a visitar o museu Vasa pra ver o meganavio retirado do mar em um estado praticamente intacto depois de tanto tempo no fundo do mar, e eu procurando nosso caminho, acabei conhecendo uma menina Sara que morava lá perto do museu, e ofereceu que seguíssemos sua quieta, delicada, desperturbada pessoa.
Diferente do que lemos no guia turístico, o museu não era de graça, e depois de andar tanto tempo só eu e Z optamos pagar as 80 coroas da entrada. À noite, eu já tava meio de saco cheio dos meninos conosco, queria mesmo é andar no nosso ritmo lerdo, e rir bobamente e ficar perguntando coisas pros suecos da rua só pra ficar olhando pras caras bonitas deles, comer muffin e beber água das torneiras (delícia de água potável que eles tem no sistema de águas), e andar, andar, o mais longe de casa possível; deslimitar o que a gente poderia teria como limite.
Já era tarde quando Carlos anunciou tar indo encontrar uma amiga sueca na estação, e com ele foram os outros. Aqui a gente não continuou na saga turística, mas deu pra descansar os pés e os olhos.
Nossa segunda noite eu diria, foi um caco de vidro no coração. Chegamos num ponto em que estávamos longe de casa e cansadas. Não queríamos muito voltar pra casa, e imaginamos que a festa na casa dele se extenderia ainda mais que a noite anterior, e que nunca chegaríamos a dormir sequer algumas horas. Aí ligamos prum outro garoto que conheci pela internet, um host em potencial que no fim tinha perdido na votação pro atual, e quando ligamos pra ele, na hora disse com sua voz linda, que com prazer nos encontraria.
E nosso plano então, virou uma maratona de chegar em casa e mostrar a cara na festa pra daí correndo encontrar com o novo amigo Tom e seu amigo Kris na estação Slussen, e no caso se fossem muito legais a gente pediria uma cama pra dormir também. Infelizmente, aqui quebramos a cara feio. Chegando na festa, estava tudo perfeito. Carlos cozinhava uma acho quejadilla na cozinha, Hampus super produzido arrumara e limpara o quarto de dormir pra caber as pessoas que não paravam de chegar. Eram tantos que nem sei o nome.
Lembro do menino esguio e bonito de 17 anos que contava da sua escola onde foi obrigado a praticar ballé durante os 8 anos do ensino fundamental, da menina do nome difícil de pronunciar que é dançarina contemporânea e ex-namorada do menino estoniano-sueco que a Z tava arroizando que em uma semana faz 19 anos, ocasião que Hampus e seu amigo típico-cabeludo-barbudo-loiro-e-grande-vicking do-sorriso-de-dentes-cheios-e-cor-de-porcelana aproveitarão pra jogar uma surpresa maligna, do Félix que viajou pra Índia e trouxe um destilado de caju, do cara do gel no cabelo, do cara que disseram pra gente ser um típico sueco mas mais parecia um filho de francês de descendência negra emigrado pra Suécia, e do cara mais alto e quieto da festa o qual não ousei puxar pra conversa. Uma maravilha (heh eheh ehe)! Nessa altura da noite eu havia evidentemente desistido de ir econtrar com o Tom, mas tudo que impediu que eu furasse faltando meia hora pro estrago foi consideração pela outra pessoa..
Aí foi que tudo se estragou, porque assim que conhecemos o Tom e o Kris eu vi que tava tudo errado. Tom era lindo. Melhor que na foto, melhor que pelo telefone. Melhor que muita muita gente que conheci até hoje, mas por dentro, um cretino imensurável. Seu amigo de 36 anos tinha uma relação esquisita de quase-babá com o Tom, e eu não conseguia entender direito pq o Tom, que até então tinha soado tão de boa só conseguia falar coisas do tipo "i want to get drunk and wasted" ou "let me think what i should say next, uh......... whatever." ou ainda "i don't give a fuck about anything since i have already experienced all that i wanted to". E duas horas depois eu já tava com medo daqueles caras esquisitos, e olhando pra Z que tava mais fora de órbita que eu, e eu na minha consecutiva tentativa de sair dali por fim levantei da mesa pra ouvir um "okay okay, since you're not going to do it, i 'll get to the point: what you say we go to my place have some wine and a good time".
Essas três horas desperdiçadas espero sinceramente apagar da memória. Talvez eu apague o parágrafo desse post algum dia também. Ou não. Porque o que veio depois foi uma continuação do bom que havíamos interrompido, e isso é que por fim fica na memória.. :)
Felizmente.
Voltando pra casa, eu já tinha recebido uma msg do Hampus falando que estavam todos numa boate em Skanstull, mas até eu que topo em praticamente qualquer situação uma saída pra dançar, segui os passos da Z até o apê. Não tinha ninguém lá, claro, e cheguei a achar que a gente ia sentar naquela porta e chorar e adormecer até o sol raiar.
Passado um tempo, escrevi perguntando se poderia pegar com ele a chave. Respondeu que estavam já já saindo dali e indo pra outra boate. De um pulo levantei levando comigo a Z e andamos em direção à boate. De repente quem eu vejo ao longe, todo cool, todo todo, conversando nem tanto animadamente, mas no seu estilo sério de feição de ser, Hampus; com a menina dançarina bonita do nome difícil de pronunciar (Litna), e um amigo, que eu ainda não tinha conhecido.
Lars.
***
Nosso último dia fomos no Moderna Museet, vimos a exposição de Salvador Dalí e do sueco Lundquist. Também não foi barato, mas valeu muito a pena. Aqui eu já tinha entrado em parafuso. O dia corria e no fim, voltamos pra casa enquanto Hampus dormia. Os outros não estavam mais lá, e nunca chegamos a lhes dizer adeus. Lars não estava mais lá. Ainda Nico apareceu, e perguntou num casual "o quê vão fazer hoje à noite" tudo que eu queria ainda tar podendo planejar. Quase perdemos o ônibus pro aeroporto, por dois minutos! e eu ria sem parar de toda a loucura que foi o metrô, o dia, dessa coisa chata que é de ter que voltar com pressa pros lugares de onde se saiu.
E bem, daí estava eu num avião praticamente vazio voltando dum reverie de três dias. O avião chegou a aterrissar. Too soon, eu diria. Em Katowice fazia bem mais frio que em Estocolmo, não me alegrava saber que o ônibus pra Kraków iria esperar pelo próximo avião pra ver se conseguia mais passageiros. Papear com o motorista, por favor, não existo aqui não.
Cheguei em casa acho que às 3 da manhã. Hoje acordei tarde, com gente me ligando pedindo dever de harmonia, perguntando pelos ensaios que foram e não foram marcados. Me confinei a esse quarto, às músicas do Lars e às fotos mal-tiradas e borradas que tenho da Suécia.
Maravilhosa vivência, essa internacional de estudante.
Aí novamente, e logo na semana de provas, minha cabeça dá uma misturada a 600 quilômetros por hora e meus cabelos implodem minha cabeça, que só existe momentaneamente nisto, em mim e atrás dos meus olhos.
Papai e Mamãe felizes, sua filhinha segura de volta ao berço. Não tem mundo que não se possa aumentar né. Mal posso esperar pela minha próxima revolução pessoal de emoções e experiências. Devia ser tudo permitido pra experimentar, enquanto ainda se é estudante, ou ainda se tem qualquer tipo de liberdade pra mais um pouco extra de vida que ainda não se conheceu.
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